quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Recortes da Realidade Brasileira: Sua Opção de Desenvolvimento

2. Recortes da Realidade Brasileira: Sua Opção de Desenvolvimento

A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade, vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. (...) Faz cultura. (Paulo Freire)
Muitas vezes, na ânsia do progresso científico e tecnológico, não se leva em consideração as implicações sociais relacionadas. Se faz opções que desconsideram questões de suma importância para a sociedade e para os seres humanos nela inseridos.
As opções de uma sociedade por um caminho para seu desenvolvimento tem implicações em sua estrutura política, econômica, social e cultural. Certas escolhas podem trazer prejuízos para a própria classe que decide e se beneficia das decisões.
O resgate do contexto histórico, social, cultural, político e econômico da sociedade brasileira frente a sua opção de desenvolvimento nos mostra que esta vem sofrendo crises em diversos áreas, principalmente na social. Crises estas com origem em decisões, projetos e escolhas feitas no passado, e relativas não apenas aos meios escolhidos, mas também aos fins a que se propunha a sociedade. (Buarque, 1994)
Na busca pelo desenvolvimento rápido e, muitas vezes eleitoreiro, o país não seguiu um processo gradativo de mudanças. Teve a expectativa de um desenvolvimento imediato e desse modo, fez algumas opções, tal como: em poucas décadas sair de uma estrutura basicamente rural, exportadora de produtos agrícolas, para uma estrutura urbana, industrial e exportadora de produtos manufaturados.
Diferente de outros países, que antes da industrialização fizeram uma revolução agrícola, o Brasil, sem modificar sua estrutura agrária, desenvolveu uma economia descomprometida e isolada dos trabalhadores rurais e sem a produtividade para alimentar os trabalhadores urbanos. Segundo Buarque (1994) essa opção foi a responsável por grande parte do desastre que vive a economia e a sociedade brasileira hoje, tendo como conseqüências explosão urbana, violência, inflação, fome, desemprego, desarticulação cultural, instabilidade social, dentre outras.
Além de não realizar a reforma agrária, no processo de industrialização, o país optou por desconsiderar as alternativas nacionais passando a importar técnicas disponíveis no exterior, desprovidas de sintonia com as necessidades da população brasileira e a realidade do país; sem a menor adaptação às características nacionais, longe de qualquer questionamento se esse processo conduziria à superação de nossas próprias carências e ao melhor aproveitamento de nossas potencialidades. “O país preferiu identificar seu projeto nacional com a própria técnica importada, e caminhou para simplesmente imitar as técnicas estrangeiras dos países-com-maioria-rica”. (Buarque, 1994, p. 29). Nos parece que, neste aspecto, as escolas que trabalham com a educação tecnológica tiveram contribuição significativa num erro estratégico que até hoje vem nos cobrando um preço muito alto pelas significativas mazelas produzidas na sociedade brasileira. Alguns exemplos onde um direcionamento diferenciado no Ensino Tecnológico teria tido influências decisivas: o Brasil dispunha de carvão vegetal, mas implantou a siderurgia com base no carvão mineral, optou pelo transporte rodoviário abandonando navegação de cabotagem, hidrovias e ferrovias, ou seja, não usou o seu potencial contextualizado e até hoje continua a agravar estes problemas.
O nosso modelo de industrialização seguiu o modelo de absorção das tecnologias estrangeiras e desse modo foi formando sua sociedade de acordo com os moldes que melhor serviam ao seu avanço, em diversas situações irracional. A importação não se limitou aos métodos de produção, avançou nas necessidades, ou seja, em todas as formas de conhecimento; ela se deu em nível micro nos métodos de produção, e em nível macro no estilo de sociedade.
A adoção do modelo de industrialização, com absorção de tecnologia externa, levou-nos a um padrão de consumo excludente que afastou do mercado, e da cidadania a maioria da população brasileira, pois, este padrão, pressupõe o aumento de poder de consumo de uma minoria (rica) e não a incorporação da maioria (pobre).
O sonho da industrialização e da urbanização, nos foi formulado como uma resposta ao atraso, a pobreza. O esforço em alcançá-las seria compensador na medida em que eliminaria essas mazelas (Benjamim et al., 1998). Em função desse sentimento, o país, concentrou esforços e rendas na infra estrutura econômica a qual permitiria à chegada mais rápida dos avanços, desenvolvendo dessa forma uma modernidade essencialmente técnica sem levar em consideração valores éticos e objetivos sociais. Como não tínhamos recursos para investir tanto na área econômica quanto na social, optou-se pela econômica.
A conseqüência da opção pela infra estrutura econômica em detrimento da área social foi “um país que chegou a ser a oitava potência econômica do planeta e ao mesmo tempo a penúltima sociedade em educação e saúde, a pior em concentração da renda, e uma das mais sofridas em fome e violência” (Buarque, 1994, p. 56).
A comprovação disso tudo pode ser buscada nestas afirmações que encontramos em Buarque (1994, p. 97-99) que demonstra o que essa modernidade técnica significou para a sociedade brasileira:
  • um parque gráfico eficiente tecnicamente, mas uma população com 30% de analfabetos e com apenas 9% concluindo o ensino básico;
  • jornais modernos com um número de leitores estagnado;
  • uma saúde moderna com transplante de órgãos, ao mesmo tempo que persistem as mais arcaicas doenças endêmicas e uma das maiores taxas de mortalidade infantil no mundo;
  • uma televisão colorida e em cadeia nacional, mas sem qualquer compromisso educativo e sob a mais brutal censura de informações e idéias;
  • uma indústria automobilística símbolo da modernidade, enquanto 80% da população não recebe um salário suficiente para pagar o ônibus entre a casa e o trabalho;
  • uma produção de automóveis com ar condicionado utilizado como status ou para isolar os passageiros do indesejado contato com os pedintes, vendedores ambulantes, meninos de rua; e não para controlar o calor;
  • uma arquitetura das mais modernas em todo o mundo, mas sem a preocupação em criar casas que sejam acessíveis a um programa habitacional de massas;
  • uma agricultura moderna pelo uso de biotecnologia, equipamentos de mecanização e exportação, ao mesmo tempo que o contingente de desnutridos do país é um dos maiores em todo o mundo;
  • a possibilidade de alguns comprarem água mineral, mesmo que a maioria da população não tenha água encanada e os poços estejam cheios do vibrião do cólera;
  • uma educação moderna com boas universidades e centros de pesquisas, que se concentram em problemas de pouca relação com o aumento da cultura mundial ou com a solução dos problemas nacionais;
  • um país com o maior número de corredores na Fórmula Um, e um dos últimos em práticas desportivas e medalhas nas Olimpíadas;
  • um país que é o maior produtor de remédios para emagrecimento mas que possui um dos maiores contingentes de esfomeados;
  • um país que exporta aviões, automóveis, computadores, tecnologias de construção, que é também o maior exportador de crianças para adoção e, segundo denúncias, para transplante de órgãos.
Percebe-se com tudo isso que, no Brasil, o progresso tecnológico, expresso em termos de investimentos em ciência e tecnologia, se mostrou relativamente eficiente, e no entanto está dissociado da melhoria da qualidade de vida pois está condicionado pelo fato de que a grande maioria do povo permanece excluída dos efeitos da modernização. Os processos atuais que aceleram a modernização de uma parte da sociedade aceleram também – em muito maior escala – a exclusão econômica e o atraso social em todas as suas múltiplas formas, tendo como resultado o aumento da heterogeneidade social e a produção de uma exclusão social. Assim, de forma desigual, em todas as regiões brasileiras, mais urbanas ou mais rurais, estão presentes setores modernos, articulados com mercados globais, ao mesmo tempo que em todas, permanecem marginalizados grandes contingentes populacionais. “Nesse mosaico, modernidade e atraso se misturam, inseparáveis, como faces de um mesmo modelo” (Benjamin et al., p. 82).
Acreditamos que, embora em nosso país o esforço tecnológico esteja divorciado dos aspectos sociais, ainda há possibilidade de integrá-lo ao crescimento social, pois o Brasil, por suas características, não é um país qualquer. O que ocorre é que a população, sem educação para isso, desacostumou-se a refletir sobre si mesmo, acerca de suas necessidades, possibilidades e contribuições tecnológicas para o cenário mundial.
Entendemos, pois, que embora o país tenha feito uma opção equivocada de desenvolvimento, é chegada a hora de dar uma guinada neste processo. Ainda que de forma um pouco lenta o nosso país tem potencial humano e tecnológico para entrar num processo de desenvolvimento real, ou seja, com a inclusão de todos os setores da sociedade. Para tanto se faz necessário buscar uma maior equidade de distribuição de renda e socialização de acesso aos frutos do desenvolvimento e uma educação mais reflexiva. Em especial nas escolas que trabalham a tecnologia. E nessa perspectiva temos que ser pluralistas para incrementar um processo educacional intensivo onde os avanços tecnológicos sejam difundidos, discutidos, assimilados e, e em certas situações, reprocessados internamente e integrados à cultura nacional.

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