3. Alternativas de Socialização da Tecnologia
Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas originais; significa também e sobretudo difundir criticamente verdades já descobertas, socializá-las por assim dizer; transformá-las portanto em bases de ações vitais, um elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. (Antonio Gramsci) |
A interferência da tecnologia na vida do ser humano é incontestável, tanto positiva quanto negativamente. Assim sendo não basta utilizar bem as tecnologias, faz-se necessários recriá-las, assumir a produção e a condução tecnológica de modo a refletir sobre a sua ação em nossas vidas.
Devemos parar e perguntar qual o espaço que o ser humano (em todos as suas dimensões) ocupa no pensar a tecnologia? Como estão sendo tratados o meio ambiente e o ser humano dentro das pesquisas tecnológicas? Qual a participação da população nas decisões acerca dos avanços tecnológicos? Como o Brasil está tratando os impactos oriundos da tecnologia, na sociedade?
Como vimos anteriormente, de modo geral e ao longo da história brasileira os governos preferiram identificar o processo de industrialização a um modelo de absorção/incorporação de tecnologia oriundas de países desenvolvidos. Junto a estas tecnologias, muitas vezes sem a devida adaptação aos padrões nacionais, absorvemos modelos e comportamentos culturalmente aceitos em outras sociedades, os quais, em sua grande maioria, inadequados a nossa maneira de ser e de viver, condicionando-nos aos padrões estrangeiros.
Este caminhar da sociedade, pautado no desenvolvimento tecnológico, não questionado, desprovido de reflexão, somente acentua a exclusão e aumenta ainda mais a desigualdade social.
Normalmente não encontramos análises, reflexões escritas sobre o tema: impactos sociais dos avanços tecnológicos na sociedade brasileira. Os ensaios existentes são tímidos e isolados, emerge a necessidade de provocarmos um pouco mais a população no tocante a sua participação no futuro da humanidade, de criarmos uma cultura de socialização dos benefícios e de diminuição dos malefícios sociais causados pelas inovações tecnológicas.
Nesta etapa do trabalho objetivamos, então, resgatar alternativas apresentadas por autores, nacionais e estrangeiros, que aprofundam o tema Ciência, Tecnologia e Sociedade, e através delas elaboramos uma proposta de trabalho educativo. Todas as alternativas aqui destacadas possuem o intuito de levar a nossa sociedade a uma participação mais efetiva no desenvolvimento tecnológico associado ao desenvolvimento social do país.
São muitos os olhares e muitos os saberes envolvidos na discussão e proposição de alternativas que não só socializem as tecnologias, mas principalmente amenizem os efeitos dos seus malefícios na vida humana. Para desencadear tal estudo, num país em que isso ainda é muito incipiente, a contribuição de alguns autores, que de uma forma ou de outra apontam suas opções como possibilidades de modificar a situação atual, podem ser de fundamental importância.
Winner (1987) propõe que se reflita sobre a possibilidade ou não, de a sociedade estabelecer formas e limites para a mudança tecnológica, que surjam de uma idéia articulada positivamente do que a sociedade deveria ser, isto significa que embora importante, não deveríamos prestar atenção somente à fabricação de instrumentos e processos físicos, mas também à produção de condições psicológicas, sociais e políticas como parte de qualquer mudança técnica significativa. Assim sendo, ele propõe a “filosofia da tecnologia”, que tem a tarefa fundamental de examinar de forma crítica a natureza e o significado das contribuições artificiais para a atividade humana. Esta nos leva a pensar sobre “como podemos limitar a tecnologia de modo a equipará-la com nosso sentido de quem somos e que tipo de mundo queremos construir?”
Sanmartín (1990) com a mesma preocupação de refletir sobre as implicações sociais dos avanços da tecnologia na vida do ser humano, propõe uma valoração global da tecnologia que denomina de “avaliação filosófica”. Afirma que é importante avaliar filosoficamente, pois esta avaliação permite esclarecer a trama de especulações que podem encontrar-se na própria base de uma intervenção tecnológica - cientificamente recomendada. Destaca que essa análise global deva ser complementada com valorações específicas das distintas aplicações particulares das tecnologias de que se trate, para conhecer os impactos e riscos ambientais e sociais, mais imediatos. E que “uma vez tecnicamente feitas estas valorações - e como uma parte a mais do processo de avaliação técnica - dever-se-ia dar voz à sociedade, para que ela manifeste seus desejos”, pois, não é somente aos “especialistas” que afeta o que tecnologicamente façamos com nossa terra.
Pacey (1990) concretiza um pouco mais as propostas, abordando-as diretamente no campo educacional. Ele aponta a importância de uma melhor educação em ciência e tecnologia, tanto para o cidadão quanto para os profissionais da tecnologia, sendo necessário que se revise toda filosofia da educação, incluindo livros textos e outros recursos para aprendizagem. Isso deve ser feito de modo a possibilitar a apresentação de uma visão integrada da prática tecnológica em lugar de uma visão de túnel - uma visão da tecnologia que se inicia e termina com a máquina - enfocada exclusivamente em seus aspectos técnicos. Assim para que ocorra a visão integrada da prática tecnológica é necessário que as disciplinas sejam trabalhadas de forma interdisciplinar e contextualizadas.
Postman (1994) nesta mesma perspectiva educacional propõe um currículo escolar, no qual todas as matérias sejam apresentadas como um estágio no desenvolvimento histórico da humanidade, no qual sejam ensinadas as filosofias da ciência, da história, da linguagem, da tecnologia e da religião; onde haja forte ênfase nas formas clássicas da expressão artística. Postman entende que precisamos de estudantes que compreendam as relações entre nossas técnicas e nossos mundos social e psíquico, de modo que possam iniciar conversas informadas sobre onde a tecnologia está nos levando e como. Para tanto propõe incluir dois temas indispensáveis para compreensão de onde viemos: “a história da tecnologia que, tanto como a ciência e a arte, produz parte da história do confronto da humanidade com a natureza” e, de fato, com nossas próprias limitações; e “a religião, com a qual estão entrelaçadas a pintura, a música, a tecnologia, a arquitetura, a literatura e a ciência”.
Buarque (1994) é um dos autores nacionais, que melhor aborda o tema no tocante à a realidade brasileira. Afirma que no Brasil, quando se propõe mudanças, em geral, não se discute para onde ir, e se pensa apenas no desenvolvimento para uma sociedade rica, de consumo de massas, industrial e urbana, com preocupação na maioria das vezes somente na área econômica. Para o autor devemos procurar caminhar, avançar de uma modernidade essencialmente técnica para uma modernidade ética, baseada em valores éticos e objetivos sociais que permitam definir as intenções a serem concretizadas e, então, as prioridades e as medidas a serem executadas. Buarque aponta dez intenções da construção de uma modernidade ética e ligadas a elas dez prioridades, que para o enriquecimento deste trabalho enumeramos a seguir:
1. Modernidade é uma população educada e culta - Educação
2. Modernidade é um país sem fome - Alimentação
3. Modernidade é não morrer antes do tempo e viver com saúde – Saúde
4. Modernização da cultura em vez da cultura da modernidade - Cultura
5. Uma ciência e tecnologia modernas tecnicamente - Tecnologia adaptada
6. A modernidade tem que ser permanente - Meio Ambiente
7. Modernidade é uma ocupação descentralizada do território nacional, com cidades pacíficas e bem organizadas - Descentralização
8. Não há modernidade sem eficiência econômica comprometida eticamente - Eficiência
9. A modernidade do Estado é a sua ética - O Estado
10. A modernidade é uma política externa independente que garanta a soberania nacional e seja um instrumento de reordenação da modernidade técnica para uma modernidade ética - Soberania
Ao concluir sua proposta, Buarque alerta: se caso o país continuar com o atual modelo de crescimento, o futuro do Brasil será parecido com o do planeta, implantando a segregação social, explicitando a apartação entre ricos modernos e pobres atrasados. Se rejeitar essa alternativa invertendo o caminho, poderá tornar-se um retrato do que o mundo futuro pode vir a ser. Para tanto precisa elaborar um projeto em que a ética e a democracia se casem, numa sociedade que respeite as liberdades individuais, na ampliação do patrimônio cultural, assegure o equilíbrio ecológico, sem abandonar, mas considerando o sonho de consumo supérfluo como parte da meta civilizatória.
Benjamin (1998) nesta mesma ótica, assinala que o problema a ser atacado é o divórcio entre povo e nação, e assim, para que o processo de construção do país se complete o eixo deve deslocar-se para a população em si mesma, pois vê a imensa maioria marginalizada como potencial humano de possibilidades de futuro. Afirma que “sua elevação à condição cidadã é, de longe, o nosso principal desafio”. Como proposta para que possamos repensar o sentido de nossa história atual, destaca cinco compromissos necessários:
Compromisso com a soberania - determinação diante de nós e do mundo, na busca de um grau suficiente de autonomia decisória; Compromisso com a solidariedade - é preciso continuar em novas bases para edificação da nação de cidadãos, eliminando a exclusão social e as chocantes desigualdades na distribuição da riqueza, da renda, do poder e da cultura; Compromisso com o desenvolvimento - necessidade de mobilização de todos nossos recursos produtivos e não aceitação de imposições internas ou externas, de políticas que frustrem nosso potencial; Compromisso com a sustentabilidade - necessidade de buscar estilo de desenvolvimento que seja ético e aliado às gerações futuras, deixando de ser cópia de modelo socialmente injusto e ecologicamente incorreto; Compromisso com democracia ampliada - refundação do sistema político de modo a incluir o resgate a dignidade da função pública em todos os níveis.
Assim, destaca, “não há dificuldade técnica extraordinária para se pensar outro caminho de desenvolvimento para o Brasil (...). A verdadeira limitação é política e cultural, ligada à necessidade de criação de uma poderosa vontade nacional para a mudança”. Esta proposta será formulada num processo de realização, “com o povo imprimindo sua marca participante na refundação da nação”
Bazzo (1998) defende que devemos caminhar na perspectiva de uma Mudança Cultural, onde o desenvolvimento científico-tecnológico venha imbricado ao desenvolvimento de toda a sociedade. Para tanto, propõe que se adote uma nova abordagem no ensino tecnológico, onde os alunos recebam não só conhecimentos e habilidades para o exercício de uma profissão, mas elementos que os leve a pensar, num processo coletivo, nos resultados e conseqüências sociais e ambientais das inovações científico-tecnológicas. Esta abordagem requer uma restruturação das práticas didático-pedagógicas, através de uma nova postura epistemológica dos professores. Desse modo a educação estará contribuindo para a “formação de profissionais com discernimento no trato da ciência e da tecnologia não apenas como instrumento de poder, mas sim de desenvolvimento humano”.
Deste resgate teórico podemos observar que, o que se destaca nas diversas propostas destes autores (os estrangeiros em especial) que questionam a interferência da tecnologia, ou da “modernidade técnica” na vida humana, é a necessidade de envolver, nestas reflexões, as questões sociais e administrativas, ou aspectos culturais e organizacionais como destaca Pacey (1990), abandonando a visão de túnel da engenharia. Em todas a propostas evidencia-se a necessidade de uma mudança cultural, uma mudança de postura frente as tecnologias, uma mudança do paradigma daqueles envolvidos na produção e aplicação da tecnologia. Pouco destaque se dá para a postura da população.
Já, no Brasil, o que é enfatizado, além dos aspectos realçados na literatura internaconal, é a necessária mobilização de toda a nação, sejam os técnicos, os políticos, os “ricos modernos” e os “pobres atrasados”, para que se reduzam as diferenças econômicas, políticas e sociais, avançando, desse modo, num desenvolvimento ideal.
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